Em cartaz no circuito de cinemas em Maringá, “Aumenta que é Rock’n’Roll” conta a história da Fluminense FM, “A Maldita”, emissora de rádio que foi ponta de lança da chamada geração BRock, nos anos de 1980.
Bandas como Os Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho e Legião Urbana ganharam espaço e visibilidade numa época em que o dial era tudo para público e crítica.
Mas você sabia que o título desse longa-metragem de Tomas Portella (e distribuído pela H2O Films) é uma referência a um dos clássicos do blues/rock brasileiro? Trata-se de “Aumenta Que Isso Aí É Rock And Roll”, hit composto e gravado por Celso Blues Boy (1956-2012), guitarrista de voz rouca e grave que foi referência para os jovens roqueiros daquela década oitentista.
Essa faixa abre “Som na Guitarra”, vinil do Mago da Guitarra lançado em 1984 pela Polygram Discos. Portanto, há 40 anos. Com direção de produção artística de Luiz Antonio Mello e Zeca Mocarzel, foi gravado nos Estúdios Barra em 24 canais, no Rio de Janeiro.
Aliás, discaço, com canções que se tornaram obrigatórias para quem curte blues carregado de rocks: “Fumando na escuridão”, “Tempos difíceis”, “O Brilho da noite”, “Amor vazio” e “Blues Motel”. São oito faixas, com arranjos e composições do próprio Celso (à exceção de “O brilho da noite”, em coautoria de Geraldo D’Arbilly).
Conhecido pelo virtuosismo guitarrístico, o artista gravou solos e bases com uma Fender Stratocaster e uma Fender Telecaster. Ele ficaria conhecido nas décadas posteriores por utilizar também uma Fender Southern Cross, único modelo brasileiro dessa icônica marca de guitarras feito pela Giannini nos anos de 1990.
A letra de “Aumenta Que Isso Aí É Rock And Roll” é o relato do eu-lírico que, sem conseguir dormir, acorda no meio da noite e liga o rádio. Poderia ser na Fluminense FM, quem sabe?
Não importa. O que ele escuta é o que vale: “O ritmo do som era pesado/Subi o volume e o vizinho gritou/Aumenta que isso aí é Rock and Roll”. Era como um “trem sacudindo a cabeça”. Não só ele e a vizinhança, mas todo mundo na rua ficou contagiado pela sonoridade. Até o guarda noturno.
Como mestre que era, o então jovem Celso captou a essência do rock, um dos filhos do blues: a possibilidade de mexer com a gente, com o esqueleto. Uma letra simples, embalada por riffs, solos e ritmo envolventes fizeram e ainda fazem o sucesso desse hit gravado há quatro décadas.
Em sua edição de número 1.719, de 1985, a revista “Manchete” destacou “Som na Guitarra” na seção “O que há para ouvir”. Em resenha curta, o jornalista Roberto Muggiati observou que o trabalho é mais curtido e maduro em relação à maioria do rock que era feito naquela época. “Blues Boy, fiel ao nome, tem uma empatia profunda com as raízes do rock’n’ roll, o velho blues do Delta, revisto e atualizado por grupos como os Stones, os Animals etc.”, escreveu.
Muggiati comparou a guitarra introdutória de “Blues Motel” ao estilo de B.B. King. O jornalista também destacou os vocais e letras de Celso, que têm força e fundem o espírito do blues e do rock com elementos brasileiros. “Um LP para todo mundo gritar, como o vizinho da primeira faixa: aumenta que isso aí é rock’n’ roll!”.
Sabor existencial de uma geração
No encarte de “Som na Guitarra”, Celso escreve que seu primeiro disco não era um registro pasteurizado. Ele queria retratar o “sabor existencial de uma geração” que lutava pela verdade: no amor, nas artes, no destino do mundo.
“Este disco é um pedaço de mim, de minha arte. Uma forma de participar com uma cota de verdade de tudo que está acontecendo por aí”.
Carreira do bluesman nacional
Nascido como Celso Ricardo Furtado de Carvalho, entrou para a história da música como Celso Blues Boy, apelido em homenagem à lenda B.B. King. Antes da carreira solo, Celso acompanhou artistas como Sá&Guarabira e Raul Seixas.
Ao longo de sua vida, Celso lançou nove álbuns de estúdio e dois em versão ao vivo (em 1991 e 2008). Nos últimos anos, projetos especiais apresentaram dois trabalhos póstumos: acústico, em 2015; e “Quando um Bluseiro Se Vai” (2020), com sobras de estúdio, em versões inéditas.
O primeiro disco gravado pelo bluseiro brasileiro foi lançado em 1984: “Som na Guitarra”, que incluía seu maior sucesso “Aumenta que isso aí é Rock’n Roll”. Além deste hit, Celso também legou alguns clássicos do blues em português, ao longo da carreira: “Tempos difíceis”, “Fumando na escuridão”, “Blues Motel”, “Brilho da noite”, “Sempre brilhará” e “Marginal” (com participação especial de Cazuza).
Confira os discos de estúdio do Mago: “Som na Guitarra” (1984), “Marginal Blues” (1986), “Celso Blues Boy 3” (1987), “Blues Forever” (1988), “Quando a noite cai” (1989), “Indiana Blues” (1996), “Nuvens Negras Choram (1998)”, “Vagabundo errante” (1999) e “Por um monte de cerveja” (2011).
Livro conta história da rádio
Para quem quiser saber mais sobre essa história, Luiz Antonio Mello escreveu o livro “A Onda Maldita: como nasceu a Fluminense FM”. “Este livro é um tributo emocionado, um testemunho opinativo assumidamente passional e crítico sobre um marco da história do rádio latino-americano”, diz a descrição da 4ª edição.
A obra pode ser encontrada em versão digital na Amazon, por exemplo. Já o material impresso, que foi lançado há um bom tempo, é raro de se achar. Está esgotadíssimo. A primeira edição é de 1992, pela editora Arte & Cultura; a segunda, pela Xamã Editora, em 1999; a terceira, de 2012, via Nitpress.
Em resumo, a nova Fluminense FM entrou no ar de Niterói (RJ) em 1º de março de 1982, em sua versão “Maldita”, porque tocava um tipo de música que as emissoras comerciais daquela época não queriam nem saber. Era o rock and roll, rechaçado pelos militares da Ditadura, pois era considerado subversivo.
Em texto do livro, o jornalista, escritor e pesquisador Arthur Dapieve que, sem a “Maldita”, não haveria Os Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, Plebe Rude, Kid Abelha, Capital Inicial, Blitz, Barão Vermelho, Titãs, Ultraje a Rigor, RPM… entre tantas bandas surgidas nos anos 80. “Ao menos não do modo que os conhecemos hoje”.